terça-feira, 22 de julho de 2008

O Impulso de Carter

Ele sempre foi um garoto misterioso. Gostava de ouvir histórias de outras pessoas, mas nunca de falar sobre as suas experiências. Ficava um pouco incomodado com isso, mas nada que o fizesse querer mudar. Achava que assim ele se tornaria mais interessante. Sempre foi muito sozinho, no que diz respeito a ter alguém com quem compartilhar seus sonhos, suas idéias.Alguém que viajasse com ele, que quisesse participar de suas fantasias. Amizades ele sempre teve. Porém só existem duas pessoas por quem ele bota a mão no fogo, se necessário. Durante toda a sua vida, buscou encontrar alguém que o entendesse. Não era tarefa fácil. Como conhecer alguém que se esconde sob uma couraça de segredos? O mais provável seria imaginar que ele não quisesse se abrir, mostrar quem realmente é. Mas ele sempre quiz. E é isso que o torna tão complexo.
Nunca conseguiu ter um relacionamento fixo. Apaixonado por mulheres, ele sempre fez questão de tratá-las bem. Elas sempre fizeram questão de esperar algo em troca. Mas ele nunca sentiu aquele desejo de se fixar a uma delas. Quando a relação ficava mais íntima, não fisicamente, mas espiritualmente, ele se fechava, e acaba as afastando. Talvez, consequência do medo de que elas estivessem sendo o problema.
Mas ele nunca se incomodou com isso. A sua busca continuava. Seu sonho sempre foi conhecer o mundo. Conhecer todas as culturas possíveis. Conhecer os pensamentos mais variados dos seres humanos. Entendê-los. Seu desejo se comparava àquilo que ele mais precisava: alguém que o entendesse.
Essa busca se tornava mais "fácil" pelo fato de que ele era apaixonado por tecnologia, e adorava a facilidade que a mesma proporcionava a ele, levando em consideração a capacidade de conhecer lugares, histórias e pessoas de todas as partes do mundo. Ela era sua aliada nessa busca.
Durante todo o tempo que passou lutando para alcançar esse objetivo, ele conheceu pessoas que o fizeram rir e chorar em frente ao monitor. Pessoas que tiveram a capacidade de o fazer acreditar que realmente sentia algo e que poderia ser um vestígio do ser humano com emoções que ele poderia ser nessa vida, ou que foi em vidas passadas. Pessoas que marcaram sua vida. Pessoas pelas quais ele realmente se importou.
Mas a vida jogou um balde de água fria em sua cabeça. As pessoas, por motivos variados, se afastaram, pois tinham objetivos diferentes, desejos e expectativas claramente antônimas às dele.
Ele novamente se fecha em sua esfera de mistérios. Continua aguardando o momento em que irá ser descrito com perfeição por alguém.
Mas então, chega o dia em que ele se encontra pasmo, arrepiado e ofegante em frente ao seu companheiro, fruto da evolução tecnológica da humanidade. O monitor reflete seus olhos cheios de lágrimas. Mas não lágrimas de tristeza. Era uma emoção que ele nunca havia sentido.
Tratava-se de uma garota que ele conhecia, ou achava que conhecia, a 3 anos. Ele já estava acostumado a ouvir as mesmas frases, do tipo: "Olá, tudo bem?", "Eu te amo!", "Eu te adoro!", e até gostava de ouvir, porém, sentia um vazio imenso quando constatava que aquilo estava sendo dito de forma autônoma, robótica.
Essa garota conseguiu surpreendê-lo. A conversa iniciou-se de uma forma excitante, pois ela descreveu o dia em que eles se falaram pela primeira vez, lembrando que já haviam se passado 3 anos. Ele a viu apenas uma vez, de longe, andando pela rua. Nunca conversou pessoalmente com ela. Ela, por sua vez, o via muitas vezes pela cidade em que eles moravam, mas nunca conversou com ele, talvez por medo de que ele não a reconhecesse.
Mesmo assim, ela conseguia prendê-lo à conversa. Até que chega o momento em que, ao se descrevar, a garota o faz tirar as mãos do teclado, passá-las sobre o rosto em uma atitude de espanto misturado com alegria. Ele percebe que ela está o descrevendo, sem saber.
Ela diz como se sente perante o seu perfil. Ela é misteriosa. Ela é enigmática. Ela é interessante. Características que sempre pertenceram a ele.
Ela diz que nunca conseguiu manter um relacionamento por muito tempo. Diz que busca alguém que consiga furar o seu casulo que, de acordo com seu ponto de vista, acha ser um tipo de defesa.
A cada palavra que salta de sua boca e que é transferida para o monitor, seu coração bate mais rápido, quase que como dizendo "Ela te conhece tão bem sem nunca ter te olhado nos olhos?"
A emoção aumenta quando ela conta quais são os seus maiores sonhos.
Ela não pretende se casar. Não pretende ter filhos. Quer ser livre, para que assim, possa conhecer o mundo, absorver cada ensimento que o mesmo possa oferecer. Os olhos dele esquecem que uma de suas funções é piscar. Ela continua e diz que gostaria de conhecer da África à Europa, da América do Sul à Ásia. Ele apenas balança a cabeça do outro lado.
Sem saber o que fazer para demonstrar o que está sentindo naquele momento, três palavras aparecem na tela da garota, dizendo: "Você me descreveu!"
Ela ri. Ele não sabe qual a reação real da garota. Ela diz que talvez ele não esteja tão sozinho. Talvez não seja apenas ele que se encontre nessa busca pela razão de sua existência.
Ele sente um alívio tão grande quando ela diz isso que chega a agradecê-la. Ela não entende, pois apenas se descreveu, mostrando seus sonhos, seus desejos. Mesmo assim, ele a diz que, naquele exato momento, alguém havia conseguido enxergar por trás da tal couraça que o revestia. Ela diz que já o conhece como se fossem conhecidos de infância. Ao não dizer nada, ele disse tudo à ela.
A garota, com um sorriso maravilhoso na foto que a representava, explica que também se sente como ele. Incompreendida. Ou ao menos, ninguém havia feito questão de compreendê-la.
Ele diz que ao perceber que ela possuía o seu perfil, a conhecia como ninguém, mesmo se ela não dissesse mais nenhuma palavra. Novamente ela ri, dizendo logo em seguida que o mistério que ele possui é o que o torna mais interessante ainda. Ele percebe que desde o começo estava certo. A conversa vai chegando ao fim. Ele percebe que o tempo não estava do seu lado. Ela envia músicas que o fazem achar, em suas letras, todas as pistas que indicam as características dela e, conseqüentemente, dele. O universo criado ali é fascinante. Ele percebe que não está sozinho. Percebe que pode compartilhar seu mundo, que pode encontrar pessoas como ela.

A conversa chega ao fim. Ela se despede e deixa um beijo. Ele retribui e, novamente, agradece pela conversa. Ela diz que ele não precisa agradecer. A verdade é que, naquela noite, haviam 4 pessoas ali. As duas que iniciaram a conversa, e as duas que a finalizaram.

Ele dorme com um turbilhão de pensamentos em sua mente. Acorda com todos esses pensamentos na ponta da língua.
Impulsivo, como sempre foi, ele decide compartilhar tudo que havia aprendido até ali, fazendo com que as pessoas o conhecessem e que, algumas delas, se identificassem com sua história, como a garota daquela noite.

E no impulso de contar essa história, quase ia me esquecendo. Muito prazer, Jimmy Carter.

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