quarta-feira, 23 de julho de 2008

3º Dia de Outono

Quarta-feira. Mais um dia em que Carter procura acordar e fazer algo interessante, testemunhar algo interessante. Ele acorda, lava o rosto e vai se preparar para sua diária caminhada, que tanto gosta de fazer. Não pela saúde que ela proporciona, mas pelo momento de paz que ele ganha em quanto, de passo em passo, vai olhando todos os detalhes das paisagens, das pessoas que estão à sua volta. Isso o motiva a pensar em tudo que está vivendo. Isso é bom.
Ele veste uma calça, pois sente vergonha de mostrar suas canelas. Ele as acha muito finas. Coloca uma camiseta leve e, claro, pega um dos seus companheiros de luta: seu mp3. De música em música, ele caminha até o local que o acolhe todas as manhãs. 100 metros. Ele observa como o verde continua presente, mesmo quando a urbanização se torna, cada vez mais, uma coisa desenfreada. 200 metros. Ele percebe que se não fossem as árvores, a vida poderia não ser tão bela. Começa a olhá-las e compará-las ao ser humano. 500 metros. As árvores podem não demonstrar emoções, não demonstrar sinais do que pensam ou sentem. Talvez nós não saibamos reconhecer tais mensagens. O necessário não é o que elas poderiam fazer. É o que elas fazem.
Uma árvore possui um conjunto gigantesco de folhas. O que podemos considerar como sendo os seres humanos. O vento que bate nas mesmas pode ser considerado o destino de todas essas folhas. Às vezes ele é forte, consistente e, ao mesmo tempo, cruel. Toma rumos inesperados e acaba derrubando algumas folhas, fazendo com que as outras se assustem, mas ainda sim, as incentivando, para que continuem firmes durante o período de transformação que as testa. Quanto mais verdes, mais experientes. Quanto mais experientes, mais valiosas.
Mas não adianta experiência se não existe algo ou alguém que as guie, que as dê motivos para acreditar que a vitória é possível. Líderes são aqueles que agrupam as qualidades de um grupo, as expõe e as modela, fazendo com que os defeitos que o mesmo possua sejam apenas detalhes que, se bem esculpidos, transformam-se em exemplos para as próximas gerações. Aqui, os líderes são os troncos das árvores.
Eles sustentam as folhas, guiando-as, às vezes por caminhos tortos, mas sempre com o mesmo objetivo: chegar o mais alto possível. Não importa se seus galhos são podados. Ele resiste até o final, defendendo aquilo que o faz acreditar na vitória, o qual ele nasceu para defender. As folhas percebem que abaixo delas existe algo que as dá base, que as motiva ainda mais.
O tronco passa por todos os tipos de sofrimento. Vê seu corpo sendo mutilado. Mas não desiste.
As folhas percebem o esforço de seu líder, e decidem lutar pelo bem de todos.
Mas qual a motivação do tronco? O que podería fazê-lo se dedicar tanto a algo que ele nem precisava fazer?
Suas raízes. Essa é a resposta. Se elas forem fortes, um líder é lapidado. Se forem fracas, mais uma pessoa comum nasce, podendo acertar ou errar. Mas sem saber que essas duas opções são importantes.
A base do líder vem da sua criação. E é isso que ele tenta passar para as folhas.
Chuvas, ventanias. Não importa. Ele quer que as folhas resistam a todas essas tragédias.
Elas entendem o recado e, depois de muito trabalho em equipe, geram as flores e os frutos, considerados o ápice de suas vidas.
O tronco percebe que seu trabalho foi recompensado. O outono chega. O tempo é a dádiva mais cruel de todas. As folhas secam. A árvore fica mais triste. Seus galhos se recolhem, como se dissessem: "É chegada a hora".
Mas é aí que aparece um ser estranho. Sem casca. Sem folhas. Um ser que antes só pensava em derrubá-las, em mutilá-las. Esse ser poda um dos bons galhos que ainda restaram. A árvore fica intrigada, achando que se ele fosse derrubá-la, não seria de galho por galho. Ele tira uma muda, a coloca em um vaso e vai embora.
Dias depois, as folhas, que tanto trabalharam, finalmente descansam. O vento bate e derruba as últimas que haviam resistido. O tronco se vê sozinho, e percebe que se o trabalho de equipe foi a principal vitude do seu grupo, naquele momento, não poderia ser diferente. Em silêncio, ele joga suas armas no chão, torcendo para que o seu legado dure por muito tempo.
Mãos ferozes o derrubam. Enquanto se encontra caído, ele vê o ser humano que havia podado um de seus galhos. O mesmo abre um buraco, próximo ao local onde se encontrava a árvore e enterra parte da muda que havia obtido.
Desde esse dia, ele nunca mais deixou de ir até esse local. E a árvore que gerou esse fruto renasce. Nesse dia, ela percebe que o maior legado que poderia deixar é aquele que age diretamente na consciência dos seus próximos, fazendo-os ser melhores do que são.
12.000 metros. Carter sente que seu corpo pede para que ele descanse. A bateria de seu Mp3 acaba. Ele se despede do cenário que foi palco de sua reflexão, preparando-se para passar a mensagem aprendida adiante.

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