terça-feira, 29 de julho de 2008

O Conto de Narciso

Terça-feira. Um dia meio parado. Pelo menos para o nosso complexo protagonista. Como sempre, ele sai para sua caminhada de manhã, observando a expressão das pessoas que cruzam seu caminho. Em cada uma ele percebe algo de intrigante. Existem aquelas que deixam escrito em suas testas que fazem aquilo por "livre e espontânea pressão". Existem aquelas que fazem aquilo apenas para acompanhar alguém que é importante em suas vidas. Mas em sua grande maioria, existem aquelas que procuram saúde, se importando quase sempre com a estética que, inegavelmente, é uma das maiores buscas da humanidade.
Quem nunca ficou parado em frente ao espelho durante horas, se arrumando para alguma festa, algum encontro? Diz a crença popular que os homens são mais diretos, mais rápidos. Mas o que dizer dos tais metrosexuais? Todo homem tem um pouco das características de um sujeito que cultiva essa rotina.
As mulheres, por sua vez, dão muito mais atenção a esse requisito. Lindas, elas sempre deixam marmanjos babando quando capricham no visual. Não é para menos, hoje a beleza é um dos fatores que mais influenciam na vida pessoal e profissional de uma pessoa. Ela irá carregar a imagem da empresa para quem ela vai trabalhar.
Olhando toda essa evolução estética, talvez tenhamos analisado superficialmente as coisas. Carter já conheceu tantas pessoas que pareciam espetaculares mas, ao abrir a boca, mostravam de onde vieram. A tal beleza interior pode parecer meio piegas, mas é essencial.
O preconceito possui, como uma de suas vítimas, pessoas que vivem pessoalmente e profissionalmente para a beleza. Modelos são alvos fáceis. Artistas também. É preciso conhecer essas pessoas a fundo para que paremos de pensar que se trata de "mais um rosto bonitinho".
O interesse de Carter em pessoas com conteúdo parte desse princípio. Todos podem dizer que uma determinada mulher é bela. Mas poucos deveriam ter o direito de dizer que ela é linda. Tratam-se de pessoas que, ao conversarem com ela, a fazem mostrar quem realmente é. A fazem querer ser alguém além da estética.
Pela parte dos homens o assunto é mais complicado. O mundo é consumista. O status de uma pessoa conta mais que sua personalidade. Um homem deseja ter todas tendo tudo. São raros os casos em que percebemos que existe algo de interessante em determinados relacionamentos.
Carter conhece alguns que realmente merecem ser aplaudidos de pé. Um deles em especial. Trata-se de um namoro que já dura 3 anos, onde a garota é linda (Carter a conhece muito bem) e o rapaz não pode ser considerado um ícone da beleza, mas trata-se de uma pessoa muito boa, o que eleva o seu status. O namoro dos dois sempre foi considerado, por Carter, uma história de cinema. Se conheceram de uma forma fantástica. Ela estava atravessando a rua, conversando com uma amiga e ele, que adorava andar de skate, vinha descendo pelo mesmo caminho. Por distração dele ou capricho do destino, ele não diminuiu a velocidade, fez a curva e se chocou com...adivinhem? Isso mesmo, ela.
Caíram e ele rapidamente se levantou, correu para ver se ela estava bem. Ela disse que sim. Ele perguntou se ela queria companhia para ir ao hospital. Ela disse que não precisava. Mesmo assim ele insistiu e pegou o telefone dela, caso algo fosse necessário.
A partir desse dia, claro, ele não parou de ligar. Ela que havia gostado da atenção que ele dedicou à ela naquele dia, já havia sentido algo de diferente nele (vide beleza interior).
Os dois começam a namorar depois de um tempo. A família dele não a aceitava. A dela desconfiava do galanteador metido a super-herói. Os dois ficavam indiferentes a isso.
O namoro fica mais sério. Os dois se encontram todo fim-de-semana. Ela diz que odeia ter que ficar ouvindo a família resmungar sobre o tal relacionamento, encontrando um refúgio ao lado dele. Ele, como pessoa boa que é, ouve a mãe calado, ajudando-a nos afazeres de casa, trabalhando e, nos finais-de-semana, indo conviver com a razão de sua alegria.
Ele consegue criar um negócio que faz sua vida melhorar bastante. O tempo passa.
Os dois sentem a felicidade em seu ápice.
Mas, infelizmente, ele é obrigado a fechar seu empreendimento, pois seus rendimentos já não eram suficientes para mantê-lo vivo.
Ela termina os estudos e vai ajudá-lo a procurar emprego. Mas infelizmente, ele não consegue encontrar nada que possa sustentá-lo, pois ele precisa de um local para morar, além de arcar com todas as suas despesas. Sua mãe havia deixado-o na cidade a algum tempo, sem nada.
E então surge uma oportunidade de conseguir uma estabilidade. Mas tudo tem seu preço. Tratava-se de uma viagem para o exterior, onde ele trabalharia e residiria. A reação dela já era previsível.
Ele embarca e ela mal consegue respirar. Seu choro é de partir qualquer frieza, gelar qualquer alma e entristecer qualquer sorriso.
Os dias se passam. Sua solidão aumenta a cada flash dos dias que passavam juntos. Ele tenta ligar, mas nunca consegue ouvir a voz dela direito. Ela faz, na parede do seu quarto, uma contagem regressiva, onde todos os dias ela risca o número anterior e escreve a quantidade restante.
Carter ouve suas palavras de dor, de sofrimento. Não sabe o que dizer, pois nunca sentiu algo tão forte por alguém.
Mas a vida havia reservado algo a mais para os dois. Alguns meses e lágrimas depois, ela se encontra sentada no sofá, olhando algumas fotos de seu skatista favorito. De repente, escuta algumas batidas em sua porta. Se levanta para ir atender e dá de cara com ele, ensopado pela chuva que caía, com um sorriso que a ilumina quase que imediatamente. Ela, sem dizer uma palavra sequer, voa para os braços dele, apertando-o forte e imaginando que aqueles dias haviam sido os piores de sua vida. Ele, quase que telepaticamente, diz: "Idem meu amor, idem."
Depois de algum tempo sem pronunciar letra alguma, ela se senta, juntamente com ele, e pergunta o que havia acontecido. Ele diz que chegando ao seu destino, foi impedido de entrar no tal país, pois todo o esquema que amigos de sua mãe haviam arranjado para ele era ilegal.
Ele confessa que já sabia disso, mas o desespero para dar uma vida melhor para ela era maior que qualquer medo de não dar certo.
Sua moto, que ele havia trabalhado tanto para comprar, foi o que gerou o dinheiro da viagem, naquele momento, perdido de uma só vez. Mas ele não considerava aquilo um prejuízo, pois nesse dia ele percebeu que o que ele tem de mais importante estava todo o tempo ao seu lado e se ele tinha que lutar por um futuro, teria que ser ao lado dela. Nunca esteve tão certo.
A verdadeira beleza é essa. A vida nos impondo desafios e nos retribuindo com conquistas, que, como no caso dos dois, se resumiam na garota que estava ali, junto dele.
Logo depois ele viajou para um estado brasileiro e conseguiu algum dinheiro, mesmo que pra isso, foi obrigado a ficar alguns meses longe da pessoa que ele mais ama. Não que isso tenha sido complicado como a experiência anterior. Dessa vez os dois se falavam todos os dias, por telefone, internet e cartas. Era como se estivessem lado a lado, tendo a certeza de que o tempo de espera para o reencontro era infinitamente menor.
De acordo com Carter, atualmente, os dois trabalham e têm uma vida estabilizada e cheia desse sentimento que ainda é uma incógnita para ele. Mas ao menos, depois de conhecer a história desses dois, ele sabe que é algo que todos devem experimentar um dia.
Se a humanidade não entender que a verdadeira beleza se encontra nas atitudes e na fé de cada um de nós, talvez um dia nos veremos parados em frente ao espelho, imóveis, tentando entender o que nos levou a vestir aquela máscara de perfeição. E, cedo ou tarde, chegaremos à conclusão de que fizemos isso para tapar os buracos de nossa alma.

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