Se existem provas que confirmem que toda ação tem uma reação, Anne conheceu uma delas na última semana. Parte de uma família invejável, tinha um único defeito. Para poder dizer qual é, se faz necessária a apresentação de outra pessoa. Seu nome é Sam. Sendo a típica garota popular, Sam era o retrato da namorada ideal. Homens a olhavam, babando e torcendo para que ela desse algum sinal que alegasse algum tipo de atração por algum deles. Prima de Anne, nunca poupou esforços para manter sua família unida. Promovia festas, encontros e até quando não havia nada para se fazer, ela inventava. Tudo com o intuito de ver todas as pessoas que ama, ali, reunidas.
Mas essa qualidade era exatamente o fator fundamental para que o defeito citado acima entrasse em cena. Anne sempre teve vontade de ser como Sam. Seu corpo, suas coisas, seus amigos, enfim, tudo parecia se encaixar perfeitamente em sua ambição. Prova de que já havia passado dos limites há algum tempo se encontrava no desejo que ela sentia em fazer as mesmas coisas que Sam fazia com seu namorado, utilizando tais práticas em prol do seu próprio namoro.
A vida não poupava esforços para que essa inveja crescesse. Todos os rapazes com os quais ela se envolvia, se deixavam atrair por Sam, assim que a viam. Por sua vez, Sam sempre deixou bem claro que o seu caráter era o que ela possuía de mais valioso. Mas Anne não via isso com olhos tão bons assim.
Com o tempo, ela consegue mascarar essa característica, tornando-se, aparentemente, uma pessoa melhor. Mais controlada, Anne consegue reunir uma gama de amigos que realmente a curtem. Ao menos, para ela, já era algo a se comemorar, pois tratavam-se de amizades legítimas, pelo menos por parte de todos os tais amigos.
O tempo passa e Sam se enturma, fazendo com que Anne comece a se incomodar com sua presença. Com seu jeito meigo e, ao mesmo tempo, animado, Sam conquista grande parte dos amigos que faziam parte do círculo social de Anne. Claro que isso aconteceu naturalmente, pois Sam nunca fez com que eles se separassem dela. Pelo contrário, participava de todas as farras promovidas juntamente com sua prima. Todos felizes? Não. Aos poucos, Anne ía nutrindo uma raiva doentia, que a qualquer momento poderia vir à tona. Tal perigo acabou transformando-se em realidade.
Em um surto inexplicável, Anne e seu namorado, cujo caráter era extremamente duvidável, se unem, e tomam atitudes baixas para quem se julga tão moral como ela. Inventa histórias sobre a vida de Sam, dizendo que não era possível esperar juízo de uma pessoa que não se leva a sério, saindo e bebendo com os mais variados tipos de pessoas, ficando com vários ao mesmo tempo e abrindo sua vida como se esta fosse um livro. Quem as ouvia? Sua própria família, que começa a se incomodar com tal situação, indo logo em seguida tirar satisfações com Sam. O baque é forte. Sua própria prima? Ela não acredita, mas decide averiguar. Fica sabendo que até para o rapaz com o qual ela estava envolvida Anne contou histórias. Claro que ele não acreditou, tampouco sua família, mas era difícil entender o motivo daquilo. Pelo menos antes que Sam parasse pra pensar e analisasse todo o passado de sua relação com Anne.
Tais atitudes não cessam. Sam vai perdendo a paciência e decide começar a montar um plano para desmascarar Anne na frente de toda a sua família. Infelizmente, o carinho que sentia por ela havia se esgotado. Agora ela jogaria com apenas uma tática: olho por olho. Mas seria beneficiada por um pequeno e importantíssimo detalhe: seus argumentos eram baseados na verdade.
E quais seriam eles? Resumidamente, baseariam-se no caráter de seu namorado, David. Com atitudes que deixariam James Bond envergonhado, David nunca respeitou o namoro que tinha em mãos. Traía descaradamente Anne. Levava mulheres para sua casa, que ficava logo em frente a dela. Houve uma vez em que, ao se despedir de uma de suas amantes, ele fora surpreendido por Anne, chegando para lhe dar um abraço de bom dia e, por questão de segundos, não encontrando a outra. Sam sabia de tudo. Sabia de tudo mas nunca contou porque sempre acreditou que não se deve meter a colher em relacionamentos alheios. Mesmo que pra ela fosse difícil deixar sua prima fazer papel de trouxa por 5 anos.
O plano estava montado. No dia de seu aniversário, Sam convida Anne e David. Com uma extrema cara-de-pau, os dois aparecem, a abraçam e ficam para aproveitar a festa. Festa que seria marcada por apenas um acontecimento. Perto das 23h, Sam se levanta e chama a atenção de todos. Agradecendo a participação, ela diz que precisa falar algo importante, e que colocaria em jogo a relação de duas pessoas ali presentes. Anne sente que a frase é dirigida a ela. Com uma frieza assustadora, Sam diz:
"Sempre fomos companheiras. Acreditei que duraria pra sempre. Confiança não é algo que consigo encontrar em qualquer esquina. Em você eu encontrava. Anne, pra uma pessoa que se julga tão segura, encontrar motivos para tais atitudes que você tomou é muito difícil pra mim. Eu tentei. Tentei esperar pra ver se você se tocava, se abria os olhos. Mas não deu. Você continuou inventando coisas sobre mim e sobre grande parte dos meus amigos, tentando causar discórdia.
Eu só queria saber porque. Mas cansei de esperar você me dar essa resposta. Trouxe aqui alguns registros que comprovam que a pessoa que menos te respeitava não era eu. Peço que não abra agora. Não na frente de todos. Leve pra casa, tire suas conclusões. Não sou uma pessoa vingativa, mas dessa vez você mereceu. Cuide de você antes de cuidar da vida dos outros."
Sentindo a seriedade com que Sam dizia aquelas palavras, Anne poupa a vergonha que sabia que iria sentir e decide fazer o que ela lhe pediu. O público fica em silêncio por um bom tempo, antes de começarem a mudar o clima sério que a festa havia adquirido. É claro que o conteúdo do envelope vai cair na boca de todos daqui a alguns dias. Sam sabe disso. Mas, por enquanto, ela apenas deixa com que a festa acabe, os convidados se retirem e finalmente ela possa se deitar, tendo a certeza de que mesmo sendo algo reprovável, a vingança é um prato que pode ser comido quente, fazendo com que pessoas como Anne queimem a língua que tanto usaram em prol de um sentimento tão mesquinho como aquele que preencheu o seu coração e a sua mente.
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Carter como sempre tratando os assuntos com grande maestria.
ResponderExcluirSam era encantadora por natureza,tinha um jeito maravilhoso de ser que encantava enquanto Anne era de outra forma,me veio umas palavras de Clarice Lispector que diz mais ou menos que temos que respeitar até o que julgamos defeito dentro de nós,fazer com que algo que não gostamos vire uma qualidade e acho que Anne ao invés se preocupar com o jeito que pertencia a Sam criar no seu jeito sua personalidade,seu próprio encanto,só que ela optou pelo lado mais doloroso alimentar a inveja por Sam e se tornar mais feia do que julgava ser,ficar cega pelo sentimento mal e não enxergar o que tava acontecendo ao seu próprio redor que era a traição do namorado.
Brilhante texto Carter.
Como sempre adorei uma grande visão e reflexão.
Grande beijo.
Excelente texto.
ResponderExcluirE realmente isto acontece muito na vida das pessoas...