Todd não vê motivos para continuar sendo o que era. Seu passado, pode-se dizer, dependia de seu sorriso. Todos que o conheciam deixavam-se contagiar por sua animação, por sua maneira peculiar de encarar a vida. Para ele, levá-la a sério era burrice. Nenhum momento era sério o bastante para fazê-lo olhar-se em frente ao espelho com um olhar tão perdido quanto o que ele tem agora. Em um sábado nublado, acorda olhando para o céu, tentando entender o porquê de se familiarizar tanto com a cor triste, pesada que o mesmo decidiu apresentar naquela manhã. Sozinho, ele imagina algo para dizer, mesmo que ninguém ouça, mesmo que nem ele mesmo ouça. Quem o vê agora não entende como uma metamorfose como essa aconteceu.
Em passos lentos, ele se dirige ao banheiro, onde se curva, enche as mãos com um pouco de água, jogando-a sobre seus olhos e, consequentemente, deixando-a escorrer sobre seu rosto, numa tentativa de limpar as possíveis impurezas que o manchavam. Logo depois, se enxuga, indo em direção à cozinha. Alguns envelopes ainda lacrados o aguardam em cima da mesa escolhida como sede de seus diários momentos de relaxamento, caracterizados por permitirem a ele escrever tudo que aprendia durante seus dias.
Em passos lentos, ele se dirige ao banheiro, onde se curva, enche as mãos com um pouco de água, jogando-a sobre seus olhos e, consequentemente, deixando-a escorrer sobre seu rosto, numa tentativa de limpar as possíveis impurezas que o manchavam. Logo depois, se enxuga, indo em direção à cozinha. Alguns envelopes ainda lacrados o aguardam em cima da mesa escolhida como sede de seus diários momentos de relaxamento, caracterizados por permitirem a ele escrever tudo que aprendia durante seus dias.
Ao sentar-se, recebe algumas ligações que, mesmo parecendo demonstrar interesse em seu estado, são encaradas como meros detalhes por ele, fazendo-o apenas responder direta e até friamente a todas elas. Ao colocar o telefone no gancho, ele rabisca algumas linhas em uma folha que havia sobrado do desabafo anterior.
Nesse momento, ele começa a se lembrar do dia em que conheceu dois de seus melhores amigos. Fred e Mark eram aqueles considerados como sendo "pra toda hora". Inseparáveis, aproveitaram a vida de todos os jeitos que poderiam, segundo Todd. Tinham um lema de experimentar tudo que a vida poderia oferecer. Uma adolescência movimentadíssima. Podemos assim definir a fase em que eles estiveram mais unidos. Festas, bares, drogas e a incapacidade de impor limites a tudo. Esse é o resumo dessa aliança. Durante várias noites - algumas até consecutivas - eles voltavam para casa enquanto seus pais saíam para trabalhar, logo de manhã. Tal atitude deixava aqueles que mais se importavam com eles muito tristes, porém, como os mesmos diziam, era apenas uma fase. Logo eles amadureceriam.
Anos vão dando passagem a mais aventuras, a mais loucuras. O limite antes não imposto por ingenuidade, agora não deixa nem rastro de sua existência. Todos com barba, à procura de novos empregos (pois haviam parecido não merecer os anteriores) e à procura de mais uma forma de manterem uma viagem que parecia eterna, rumo à destruição de seus cérebros, de sua alma. Fred agora se encontra com sérios danos provocados pelas fortes drogas que usava há algum tempo. Sua capacidade de raciocínio lógico foi afetada. Ele já não parecia estar nesse mundo. Literalmente. Mark já fazia parte do mundo que consumia e vendia tais produtos, chegando a um ponto de não conseguir mais sair. Todd tentava ser a parte racional do tripé, porém também se afundava em suas recaídas, resultantes da dependência que obtivera pelo uso excessivo de entorpecentes durante a adolescência. Mesmo assim, foi o único que conseguiu encontrar um refúgio que parecia mais tentador que aquelas viagens. Escrevendo, ele decide deixar o registro de tudo que presenciou por conta das drogas, por tudo que elas proporcionaram a ele e a seus amigos. Seu ideal era tão forte que, mesmo sob o efeito de uma de suas maiores inimigas, ele conseguia descrever o quão prazerosa e aterrorizante era sua capacidade.
Dias, meses, anos se passam. A família de Todd diz, em duras palavras, que desiste dele. Seus amigos se perdem pelo caminho, deixando-o apenas o sentimento de nostalgia. Sozinho, ele não se abala, e continua registrando todos os momentos que marcaram seus dias. Um dia poderiam ler aquilo e perceber que uma viagem assim custa muito mais caro quanto o preço pago por sua passagem.
Ainda com um olhar perdido, ele decide desviar sua atenção, do passado para o presente, e olha firmemente para o papel que tem em mãos. Mas antes de iniciar o registro daquele dia, ele pega os envelopes citados anteriormente, decidido a conferir seu conteúdo. Sua expectativa demonstra a ansiedade que possuía quanto a esse momento.
Com uma cautela eufórica, ele retira duas folhas dos tais envelopes. Cada uma possuía a foto de um dos seus antigos "companheiros de viagem".
Depois de conferir cada folha por completo, ele começar a escrever, dizendo:
"Mark e Fred. Duas pessoas que nunca mais vou esquecer. Duas vítimas de uma vida que, diferentemente, gostaria de poder esquecer, porém, se o fizesse, estaria provando que sou egoísta em não deixar nenhum registro que ilumine a cabeça daqueles que se aventuram por um caminho tão tortuoso. Hoje consigo dizer que estou me reabilitando, mas a investigação que fiz sobre o paradeiro de meus amigos me mostra que eles não tiveram a mesma capacidade. Mark confirmou o que já era de se esperar. A vida que escolhera fez o mesmo por ele, escolhendo-o para ser a próxima vítima de sua implacável e insaciável sede de sangue e destruição. Fred se encontra morto. A única diferença entre os dois, é que Fred ainda respira, mas com a ajuda de aparelhos. As pesadas drogas que usava destruíram todas as características que o transformavam em um humano. Numa cama de hospital ele se encontra preso. Finalmente ele encontrou aquilo que o limita. Só queria que tal limite fosse outro e que tivesse sido encontrado no início, por todos nós..."